Conexões Comunicantes
(crônica da semana com cartoon. crisebecken.com)
Julieta partiu em navio, Romeu em foguete. Nessa versão contemporânea o veneno foi tomar distância. Mas a questão era que essa distância se quebrava em nada quando um do mar, outro do céu se lembravam mutuamente ao olhar uma estrela. No coração dela, a cara de Romeu. No coração dele, a cara de Julieta. Em sucessão, Julieta tentava tirar água do peito, Romeu gravidade. Imagino que Platão, logo depois de construir a alegoria da caverna, sentiu umas palpitações iluminadas, sofreu um pequeno Big Bang, deu um salto quântico e caiu sentado na cadeira de terapeuta desses dois. A ironia seria tentar identificar em qual situação teria mais trabalho: o drama romântico fatal clássico, ou o drama romântico líquido contemporâneo.
Como a liquidez é pauta mais recente, não dá para poupar a imaginação:
⁃ Romeu, por que o foguete?
⁃ Tenho pressas e preciso fugir.
⁃ Julieta, por que o navio?
⁃ Não confio em carros e preciso do horizonte.
⁃ Romeu, por que o espaço?
⁃ É mais calmo e isolado.
⁃ Julieta, por que o mar?
⁃ Me sinto menos frágil.
⁃ Romeu e Julieta o que fazem aqui?
⁃ A culpa é a estrela.
⁃ Temos um problema com a estrela.
Agora visualize um Platão contemporâneo, com um coque meio bagunçado, um cavanhaque bem espichado, dando um gole em um café cheio de agrotóxico, observando os dois e tomando coragem para colocar o que não poderia prever se ambos estariam dispostos a escutar:
⁃ Sinto muito, preciso acender umas luzes. O problema está por detrás do foguete, do navio, do mar e do espaço. A estrela é fora da caverna.
Pois bem, Romeu e Julieta ficariam boquiabertos? Será? Até onde se pode cobrir com peneira o sol do sentir? Até que borda de céu ou mar intangível se imprime rotas de defesas? Lembra dos vasos comunicantes ensinados no colégio? Transportando o teorema para os encontros, onde o temido verbo amar se conecta há um preenchimento mútuo, um tornar-se um e outro na energia. Em tempos de ser refém e de se questionar a liquidez, parece mais interessante o questionamento ser outro. Por que não mergulhar no que conecta? Ah, tá, vai me dizer que é todo o resto a fora que não conecta... Platão, cadê você? Volta aqui para me dar uma ajudinha.