A Porta

Um dia o homem inventou a porta. Aprendeu e ensinou a colocar dentro dela o que lhe importa. Porta pequena. Porta suntuosa. Porta larga, grossa, pesada, com tranca, engradeada, porta. Porta, ainda que moderna, atual, medieval. Nosso princípio dos nãos, nossos avisos limítrofes.

Não sei nada da verdadeira história das portas, e esse texto a esse respeito nada documenta ou se reporta. Mas sei que não aparecem plantadas, ao natural, não existe pé de porta, plantação de porta, e ainda assim vivemos todos bem assim.

Nossas pecáveis portas, muito provavelmente inspiradas nessa necessidade, estranha, de marcarmos espaços, nossas placas tão mal sinalizadas de respeito. Porque somos assim, humanos, e precisamos da lembrança: calma lá, aqui é meu território!, para não nos invadirmos. Comum aquela placa nas casas: Deus abençoe esta bagunça., melhor seria: Deus abençoe nossas portas enquanto ventamos.

Mas a porta, ao avesso, vista do outro lado, anuncia o que a todo tempo deixamos de ver, os sins. A lua cheia, redonda, plena com sua noite clara, está lá, do outro lado da porta. O cheiro de calma que levanta, a estrela cadente mesmo em céu urbano, a troca, a troca!, está lá do outro lado da porta. Inclusive os nãos, os nãos de se ouvir, os nãos de se dar, estão lá, do outro lado da porta dos sins.

Resta, como sempre, antes mesmo de inventarem as portas, abrir A porta.

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